Ensaio Sobre Curitiba e Sua Musica

Introdução  
            Nunca hei de criar uma cultura, ou um status de clemência por alguma coisa, isso porque vivo em uma cidade formada  por setenta e cinco bairros de características impares, desde o Fazendinha da minha infância até o Cabral dos meus sonhos, lidamos com pessoas, comunidades, desejos e realidades diversas.
            E é incrível pensar na dificuldade em se estabelecer um sentimento uniforme sobre o que é Curitiba, um mundo globalizado, uma cidade, um momento glocal da nossa realidade tingui.
            Curitiba a oeste do tratado de Tordesilhas quase portenha se não tivesse sido brasileira.
            E a musica curitibana?
            Muitos definem a musica curitibana como a musica feita e produzida em Curitiba, mas até quanto o local influi no espelho da arte, na verdade o que serve para ser falado e presumivelmente defendido seja o curitibanismo, não apenas pelo viés do “leite quente”, mas pelo viés da interação homem-espaço-cultura, e a capacidade de não sermos curitibanos dentro de Curitiba, ou de sermos curitibocas em qualquer lugar do mundo.
       
1.1. Uma questão de ascendência
            Sinto pena de todos que não compreendem Curitiba como uma cidade cosmopolita, não por excelência, mas por formação. Se chegarmos a uma sala de aula de qualquer escola espalhada entre o Caximba e o Cachoeira, entre o São Miguel e o Cajuru, e pedirmos para levantar a mão quem tem os quatro avós nascidos ou criados em Curitiba certamente nem metade desta sala levantará a mão, isso porque Curitiba, por um viés histórico, é uma cidade muito nova, prédios são sacralizados e tombados com cem anos de idade, e bairros de passagem, tendem a ficarem como passagem, ao exemplo do Rebouças e a tentativa fracassada em se fazer um soho lá.
            Curitiba é uma cidade que se desenvolveu em uma “simetria malthusiana” se pensarmos que o Umbará está para o sul assim como Santa Felicidade, assim como o eslavo bairro da Fazendinha ser uma Barreirinha na zona oeste.
            Uma cidade nova pelo viés de povo, logo imaginar que cada pessoa, cada rua, cada lugar um lugar digno de uma história, seja no calçamento da rua XV ou nas vias em paralelas da Avenida das Torres, há uma cidade, há um meio há uma musica.
            Pelo viés urbano é muito importante imaginar que essa população traz consigo uma herança, seja na batida da viola caipira tocada pelos caipiras que se difundem e espalham na cidade, seja nos Klesmers enclausurados nas comunidades judaicas cada vez mais em guetos.
            A musicalidade curitibana se perde, talvez um ponto de virada entre o samba, o tango e o sarda, um fandango, uma congada que desmente a tese que não há ritmo musical paranaense (lê-se Curitiba).
            Mas a cidade é um organismo vivo, e a musica um elemento orgânico da mesma, a transformação da musica em produto, e a retomada do viés antropológico da mesma, o samba e o rock tomam a cidade, com seus estrangeirismos, de nada vale fazer-se musica aqui se referindo ao Rio de Janeiro, não terá diferencial a musica e será uma musica fluminense, e assim se aplica a qualquer estilo musical arraigado ou importado por Curitiba.
            As relações do curitibano com os meios em que habitam também devem ser conferidas: Curitiba tem uma relação com o mar e tem uma relação com o meio rural, não em sincronia urbana e sim em imaginário coletivo, é muito comum encontrar o curitibano fugindo para São Luis do Purunã ou Antonina nos finais de semana.
            Com todo esse marco a musica curitibana, verdadeira musica curitibana feita em qualquer lugar do mundo, carrega consigo simbolismos e marcos na forma de ser cantada, sejam em palavras ou na dicção, que podemos observar nos “r” linguodentais em algumas musicas, os “sorisos” de João Tatára e do Blindagem por exemplo.
            Curitiba atualmente não tem uma musicalidade pronta, mas sim em formação, e o empenho de segmentos do meio para construí-la, buscar raízes para florescer o novo tirando vida nova do frutos.
1.2. Buscar mudanças:
            Todo mundo tem uma nona ou uma baba severa que tenta manter as tradições, nem que seja por sua presença de espírito, na época, era o fim se um ucraniano se casasse com uma polonesa (ou visse versa), apenas pelo fato de um comer pirogue e o outro comer vorozek, ou seja, a diferença.
            Ou pensar no que leva um pia morador do Tatuquara filho de não curitibanos tornar-se-á torcedor do Coritiba, ou um curitibano torcer para o Corinthians, o fator de pertencimento.
            Assim como no caso das babas/nonas e dos torcedores o que leva a uma pessoa a pertencer àquele local, como elemento fundamental do fomento cultural, a problemática que podemos olhar por ai é a secção de um todo logo o pertencimento de um gueto, é muito frágil nesse momento da nossa cultura musical colocarmos parâmetros “isso é Curitiba”, e muito perigoso o pertencimento, este que fará o artista frustrado com o meio em que vive buscar outro pertencimento, cantar outra cidade, outra cultura exaurindo de si tudo aquilo que Curitiba lhe compete.
            Também fazer com que a sociedade curitibana como um todo se sinta parte de Curitiba quando se fala em musica, e não a busque em guetos (bares temáticos que dão valia a outros lugares “um bar que faz você se sentir mais irlandês do que nunca, por exemplo,” mas, sim em Curitiba.
            Talvez tenha uma Curitiba dentro de cada uma das pessoas que aqui vivem ou passam, e essas pessoas devem como uma catarse absoluta jogar pra fora, fazer com que o Ganchinho se sinta integrado a cidade tanto quanto o Batel, e lembrar que a interação entre a comunidade e o local gera um imaginário de cultura.

1.3. Pra concluir, façamos da vina imperialista.
            Quantas pessoas não se envergonham de seu leite quente, de seu r de “caroça”, como a pior coisa do mundo e o pior momento de sua história, quantas fonoaudiólogas já não tentaram me fazer falar “diferenti”, e não conseguiram.
            Para buscarmos a musica curitibana, antes, temos que buscar Curitiba, e como se busca Curitiba? Reconhecendo seu meio, reconhecendo a si como elemento orgânico dessa cidade, e reconhecendo uma musica e sonoridade como um ponto elementar que faça Curitiba pelo ritmo, harmonia e maneira de ser executada seja reconhecida no Jardim das Américas ou em Teerã. Seja numa maneira diferente de mixa-la ou numa forma completamente nova de toca-la.  
            Olhar para as origens, o Fandango, a Congada, o Cua-Fubá são musicas da terra que ao pouco vão sendo esquecidas em uma fotografia em um museu ou encima da estante como peça de decoração. Construir o novo – a musica universal deve ser praticada também sem preconceitos mas não taxada de curitibana, e se aplicar num contexto urbano elementos universais na pequena célula mãe curitibana em cada um de nós, para a partir daí nossas raízes deixarem de serem quase mortas para virarem elementos orgânicos de nossa obra, a exemplo do que ocorre em Porto Alegre, Recife, Salvador e até Belém.
           
            O momento musical de Curitiba é importante para entendermos a cidade, pois nada mais hermético e singelo que a musica, e que venha a boa musica aos nossos ouvidos über alles! Uma casa, uma rua, um bar ou até mesmo sua vizinha brigando com o seu cachorro em alemão fazem parte de um contexto que cada artista saberá como inspira-lo da melhor forma.
            Espaço nosso, tempo Curitiba:
            Este texto! 

ELIAN WOIDELLO

Um comentário:

missão disse...

Belo texto!
Vou compartilhar no meu perfil do Facebook!