Santa Quitéria de Viés


Estagnado sob a luz dos sinaleiros, ou a luz do sol se pondo sob o horizonte quiteriano, eu ali, vendo o linear entre o que Curitiba espera o que Curitiba é.Um lugar repleto de signos, da gente que por ali passa, quatro lugares em um, desde a sensação de segurança que o bairro passa, entre a Arthur Bernardes e a Curupaitis, até o silencio no breu dos barracos da “portelinha”.Depois da continuação da Ulysses Vieira o “Inferninho”, lar de imigrantes do interior paranaense,  antiga favela, hoje um bairro de nova classe média, com colégios particulares, sobrados e o rio Barigui ao fundo.Foi ai que prestei atenção, como as paralelas desse lugar são hermeticamente iguais, todos os caminhos levam a Vila Izabel, todos os caminhos vem do Campo Comprido, um linear. Sejam nos lares das velhas que moram ao longo da Curupis, ou no lanche servido super rápido pelo Bigode, este, patrimônio histórico do bairro.O que a escola Nice Braga, a ASPP, e Mary presentes tem em comum?  Uma relação com um bairro singelo que quer ser grande, e que ganha um edifício novo para uma profusão de sobrados, perde uma casa de madeira, para ali ser mais um lar de “novos ricos”.


Como o quiteriano Rodrigo Augusto dizia em sua canção viagem “Tudo parece distante aos poucos pra mim essa paisagem sem eira nem beira de estrada que vai me levando embora pra longe daqui”, a Santa Quiteria, esse ponto de virada, onde a grande Curitiba começa a ficar pequena, onde as personagens da cidade cada vez mais interioranos, onde as ruas começam a ter buracos, onde as tropas que saiam do Largo da Ordem rumo aos Campos Gerais, passavam, hoje são soterradas por ruas paralelas, e errantes sonhadores que  chamam ali de lar.

(Elian Woidello)

Tombado sejas, Rebouças


Foto da antiga Mate Leão retirada do site:http://abertopublico.blogspot.com.br/2011/04/cheiro-do-bairro.html

Besta! Juro que nunca tinha reparado nas placas azuis dos postes o nome pequenino escrito em amarelo em ode  a dois engenheiros negros  Rebouças.  Talvez por essas placas azuis ficarem sempre na passagem entre  os demais bairros e o Centro, passagem como Curitiba entre Viamão e Sorocaba, se fez um bairro antigo em vários aspectos, industrial, mas se tornou antigo e ultrapassado pelo “maldito” CIC. E desde que JK resolveu apostar todas as fichas no transporte rodoviário, a origem ferroviária da cidade perdeu o sentido, como tudo que se relaciona a origem parece se perder, e a antiga estação hoje se cobriu de “marcas” onde o Rebouças, tolinho,  já se diz Centro.
O Rebouças inflama uma Curitiba de viés, uma cidade não muito preocupada em se saber o que é, mas o que está, e está sob ele o rio Água Verde acimentado e sujo, talvez uma coisa justifique a outra.
Mas na minha humilde opinião, o Rebouças é um dos bairros que melhor representa Curitiba, ali sempre perto, mas também longe, sem falar muito,  nos botecos, história viva, feito vendas das décadas de 1950, desenhando em paralelas as ruas do bairro, a Marechal, a Getulio, 24 de maio, tudo por ali, sem saber que é ali.
De uns tempos pra cá, assim como Curitiba, ali passou a ser habitado, habitado e habitado, então veio à necessidade de se reviver aquele local, quer potencial melhor? Um Soho sem o sentido londrino da palavra, apenas um novo Batel, com vida, comércio e tudo mais, nas casas antigas, prédios históricos e as pessoas indo até o Rebouças.
O Soho não deu certo, mas mesmo assim milhares de pessoas começarão a ir ao Rebouças como destino (mas também como passagem para uma suposta “vida eterna”), já que ao divino é atribuído tudo aquilo que o não saber lhes compete, aquele prédio feio da Mate Leão tombou para dar lugar a um templo da Universal do Reino de Deus, e tombou-se o que Curitiba foi um dia a IURD soterra, aplaina, e demoli com isso um pedaço de cada curitibano, que além do Largo de Marilda Confortin, também tem no Rebouças sua origem, sua passagem, o misto de santo que destrói o profano sendo profano também, Rebouças tombado sejas, para que não sejamos esquecidos  de sermos curitibanos.

Elian Woidello

Campanha: Visite a Vila Augusta!

imagem tirada do site http://www.cirinodesign.com.br. Torre de antiga Olaria no Passaúna 

Todos que me desculpem, mas sempre achei melhor chamar o bairro Augusta de Vila Augusta, coisa de pia pançudo que escutava a avó falando sobre o pequeno povoado curitibano. A Vila Augusta é aquele local onde a grande Curitiba fica pequena, no melhor sentido da palavra pequena, com casas de cerca baixa e povo acolhedor, sem falar nas chácaras e nas trilhas que nos levam direto ao rio Passaúna.
            A Vila Augusta é de Curitiba, mas nem os próprios curitibanos parecem se dar conta, está localizado no final da Rua Eduardo Sprada entre a Cic, o São Miguel e o Riviera, o Augusta tem sua geografia desenhada pela represa do Passaúna, um grande reservatório de água que abastece boa parte da capital, porém afogou as olarias,  tratores com um ronco matraqueiro, casarões com lambrequins e boa parte da cidade nesse interlúdio entre o Timbutuva e o Campo Comprido que chamamos Vila Augusta.
            Muitas pessoas que conhecem o bairro pensam que ele confere apenas ao parque e ao rio, mas também vive, alias sobrevive com uma história viva dos descendentes dos antigos colonos da colônia Rivière e uma urbanização que vem descendo o vale do Passaúna e quase bate na porta do bairro, se não fosse a APA (Area de Proteção Ambiental) em que está localizado.
            Nem mesmo as churrascadas das pessoas, vistas que atravessam a “fronteira” a Ferraria parecem imolar o tempo, nem nos antigos bailes na estrada velha de Campo Largo, ou nas braçadas submersas no Pianoski (hoje represa do Passúna no bairro do São Miguel) parecem calar o agora.
            Ao chegar no Augusta me vi mistificado, tão qual um americano em Paris ou Ruy Maurity na quizumba de reis, aquelas casas de muro baixo, velhos nhanhos dando com a mão no portão da casa, e eu apenas um pia pançudo, querendo achar Curitiba, talvez no Parque Tanguá ou no Jardim Botânico, sem saber que muitas vezes, está ela diante dos nossos olhos.
(Elian Woidello)

Ensaio Sobre Curitiba e Sua Musica

Introdução  
            Nunca hei de criar uma cultura, ou um status de clemência por alguma coisa, isso porque vivo em uma cidade formada  por setenta e cinco bairros de características impares, desde o Fazendinha da minha infância até o Cabral dos meus sonhos, lidamos com pessoas, comunidades, desejos e realidades diversas.
            E é incrível pensar na dificuldade em se estabelecer um sentimento uniforme sobre o que é Curitiba, um mundo globalizado, uma cidade, um momento glocal da nossa realidade tingui.
            Curitiba a oeste do tratado de Tordesilhas quase portenha se não tivesse sido brasileira.
            E a musica curitibana?
            Muitos definem a musica curitibana como a musica feita e produzida em Curitiba, mas até quanto o local influi no espelho da arte, na verdade o que serve para ser falado e presumivelmente defendido seja o curitibanismo, não apenas pelo viés do “leite quente”, mas pelo viés da interação homem-espaço-cultura, e a capacidade de não sermos curitibanos dentro de Curitiba, ou de sermos curitibocas em qualquer lugar do mundo.
       
1.1. Uma questão de ascendência
            Sinto pena de todos que não compreendem Curitiba como uma cidade cosmopolita, não por excelência, mas por formação. Se chegarmos a uma sala de aula de qualquer escola espalhada entre o Caximba e o Cachoeira, entre o São Miguel e o Cajuru, e pedirmos para levantar a mão quem tem os quatro avós nascidos ou criados em Curitiba certamente nem metade desta sala levantará a mão, isso porque Curitiba, por um viés histórico, é uma cidade muito nova, prédios são sacralizados e tombados com cem anos de idade, e bairros de passagem, tendem a ficarem como passagem, ao exemplo do Rebouças e a tentativa fracassada em se fazer um soho lá.
            Curitiba é uma cidade que se desenvolveu em uma “simetria malthusiana” se pensarmos que o Umbará está para o sul assim como Santa Felicidade, assim como o eslavo bairro da Fazendinha ser uma Barreirinha na zona oeste.
            Uma cidade nova pelo viés de povo, logo imaginar que cada pessoa, cada rua, cada lugar um lugar digno de uma história, seja no calçamento da rua XV ou nas vias em paralelas da Avenida das Torres, há uma cidade, há um meio há uma musica.
            Pelo viés urbano é muito importante imaginar que essa população traz consigo uma herança, seja na batida da viola caipira tocada pelos caipiras que se difundem e espalham na cidade, seja nos Klesmers enclausurados nas comunidades judaicas cada vez mais em guetos.
            A musicalidade curitibana se perde, talvez um ponto de virada entre o samba, o tango e o sarda, um fandango, uma congada que desmente a tese que não há ritmo musical paranaense (lê-se Curitiba).
            Mas a cidade é um organismo vivo, e a musica um elemento orgânico da mesma, a transformação da musica em produto, e a retomada do viés antropológico da mesma, o samba e o rock tomam a cidade, com seus estrangeirismos, de nada vale fazer-se musica aqui se referindo ao Rio de Janeiro, não terá diferencial a musica e será uma musica fluminense, e assim se aplica a qualquer estilo musical arraigado ou importado por Curitiba.
            As relações do curitibano com os meios em que habitam também devem ser conferidas: Curitiba tem uma relação com o mar e tem uma relação com o meio rural, não em sincronia urbana e sim em imaginário coletivo, é muito comum encontrar o curitibano fugindo para São Luis do Purunã ou Antonina nos finais de semana.
            Com todo esse marco a musica curitibana, verdadeira musica curitibana feita em qualquer lugar do mundo, carrega consigo simbolismos e marcos na forma de ser cantada, sejam em palavras ou na dicção, que podemos observar nos “r” linguodentais em algumas musicas, os “sorisos” de João Tatára e do Blindagem por exemplo.
            Curitiba atualmente não tem uma musicalidade pronta, mas sim em formação, e o empenho de segmentos do meio para construí-la, buscar raízes para florescer o novo tirando vida nova do frutos.
1.2. Buscar mudanças:
            Todo mundo tem uma nona ou uma baba severa que tenta manter as tradições, nem que seja por sua presença de espírito, na época, era o fim se um ucraniano se casasse com uma polonesa (ou visse versa), apenas pelo fato de um comer pirogue e o outro comer vorozek, ou seja, a diferença.
            Ou pensar no que leva um pia morador do Tatuquara filho de não curitibanos tornar-se-á torcedor do Coritiba, ou um curitibano torcer para o Corinthians, o fator de pertencimento.
            Assim como no caso das babas/nonas e dos torcedores o que leva a uma pessoa a pertencer àquele local, como elemento fundamental do fomento cultural, a problemática que podemos olhar por ai é a secção de um todo logo o pertencimento de um gueto, é muito frágil nesse momento da nossa cultura musical colocarmos parâmetros “isso é Curitiba”, e muito perigoso o pertencimento, este que fará o artista frustrado com o meio em que vive buscar outro pertencimento, cantar outra cidade, outra cultura exaurindo de si tudo aquilo que Curitiba lhe compete.
            Também fazer com que a sociedade curitibana como um todo se sinta parte de Curitiba quando se fala em musica, e não a busque em guetos (bares temáticos que dão valia a outros lugares “um bar que faz você se sentir mais irlandês do que nunca, por exemplo,” mas, sim em Curitiba.
            Talvez tenha uma Curitiba dentro de cada uma das pessoas que aqui vivem ou passam, e essas pessoas devem como uma catarse absoluta jogar pra fora, fazer com que o Ganchinho se sinta integrado a cidade tanto quanto o Batel, e lembrar que a interação entre a comunidade e o local gera um imaginário de cultura.

1.3. Pra concluir, façamos da vina imperialista.
            Quantas pessoas não se envergonham de seu leite quente, de seu r de “caroça”, como a pior coisa do mundo e o pior momento de sua história, quantas fonoaudiólogas já não tentaram me fazer falar “diferenti”, e não conseguiram.
            Para buscarmos a musica curitibana, antes, temos que buscar Curitiba, e como se busca Curitiba? Reconhecendo seu meio, reconhecendo a si como elemento orgânico dessa cidade, e reconhecendo uma musica e sonoridade como um ponto elementar que faça Curitiba pelo ritmo, harmonia e maneira de ser executada seja reconhecida no Jardim das Américas ou em Teerã. Seja numa maneira diferente de mixa-la ou numa forma completamente nova de toca-la.  
            Olhar para as origens, o Fandango, a Congada, o Cua-Fubá são musicas da terra que ao pouco vão sendo esquecidas em uma fotografia em um museu ou encima da estante como peça de decoração. Construir o novo – a musica universal deve ser praticada também sem preconceitos mas não taxada de curitibana, e se aplicar num contexto urbano elementos universais na pequena célula mãe curitibana em cada um de nós, para a partir daí nossas raízes deixarem de serem quase mortas para virarem elementos orgânicos de nossa obra, a exemplo do que ocorre em Porto Alegre, Recife, Salvador e até Belém.
           
            O momento musical de Curitiba é importante para entendermos a cidade, pois nada mais hermético e singelo que a musica, e que venha a boa musica aos nossos ouvidos über alles! Uma casa, uma rua, um bar ou até mesmo sua vizinha brigando com o seu cachorro em alemão fazem parte de um contexto que cada artista saberá como inspira-lo da melhor forma.
            Espaço nosso, tempo Curitiba:
            Este texto! 

ELIAN WOIDELLO